Alzheimer e infância: memórias, emoções e aprendizado entre gerações

Quando pensamos em Alzheimer, a imagem mais frequente é a de idosos — e de fato grande parte dos estudos concentra-se nessa faixa etária. No entanto, a vivência de crianças e adolescentes em famílias com Alzheimer é um tema que merece atenção: ela revela como a memória, o afeto e o tempo são atravessados desde cedo, transformando modos de estar no mundo e de lidar com a perda.

O cenário global e nacional

  • No Brasil, estima-se que cerca de 1,8 milhão de pessoas com 60 anos ou mais vivam com algum tipo de demência — sendo a doença de Alzheimer responsável por 60 a 70% desses casos.
  • Esse número tende a crescer: projeta-se que, até 2030, as demências atinjam cerca de 2,8 milhões de brasileiros, e 5,5 milhões até 2050.
  • Um dos desafios é o subdiagnóstico: mais de 80% dos casos de demência em idosos no Brasil permanecem não identificados oficialmente.

Esses dados já revelam uma pressão crescente sobre famílias, sistemas de saúde e redes de suporte — e as crianças inseridas em famílias com Alzheimer são parte dessa rede.

Impactos familiares e emocionais

A presença de Alzheimer na família modifica a rotina e as relações de todos os membros. Estudos brasileiros apontam efeitos não só nos pacientes, mas nos cuidadores, na coesão familiar e nas dinâmicas afetivas. SciELO+2Revista Contemporânea+2

Entre os impactos mais documentados:

  • Sobrecarga emocional e física dos cuidadores (frequentemente adultos), que podem vivenciar estresse, fadiga, depressão ou desgaste psicológico. Revista Contemporânea+2Pepsic+2
  • Alterações nas relações familiares, como reversão de papéis (o “velho cuidador” passa a depender) ou fragilização de vínculos.
  • Efeitos sobre os netos e crianças: embora poucos estudos analisem especificamente esse grupo, já se observou que netos podem assumir papéis afetivos de apoio emocional ou se reorganizar quanto à percepção do avô/avó com Alzheimer.

No artigo “O impacto da doença de Alzheimer nas relações intergeracionais”, por exemplo, concluiu-se que netos manifestavam percepções distintas da figura do idoso doente, comparando ideal e real, e desenvolvendo adaptações cognitivas e emocionais para lidar com essas mudanças.

Crianças como observadoras sensíveis

Mesmo sem diagnóstico formal ou literaturas abundantes, sabemos pela psicologia do desenvolvimento que:

  1. As crianças percebem mudanças sutis no comportamento adulto — lapsos de memória, repetição de perguntas, inserção de novos hábitos — ainda que não saibam nomear “Alzheimer”.
  2. Elas tendem a se adaptar por meio da imaginação, transformando esquecimentos em histórias, jogos ou metáforas (por exemplo: “vovô está viajando na mente”).
  3. Podem internalizar culpa ou vergonha, se não houver diálogo adequado: “Fiz algo que o deixou assim?”, “Ele me esqueceu por minha causa?”.
  4. Mas também podem exercer empatia precoce, oferecendo afeto, companhia, pintando quadros, cantando músicas ou inventando rituais que conectem presente e memória.

Essa dualidade (vulnerabilidade e generosidade emocional) torna essencial uma narrativa cuidadosa para crianças, que reconcilie verdades biológicas com força afetiva.

O que diz a ciência sobre Alzheimer (para além da velhice)

Embora poucos estudos envolvam diretamente crianças e Alzheimer, algumas descobertas científicas ajudam a fundamentar o tema:

  • Genética e Alzheimer precoce: cerca de 5 a 10% dos casos de Alzheimer são do tipo de início precoce (antes dos 65 anos). Desses, cerca de 13% são formas familiares com mutações claras em genes como PSEN1, PSEN2 ou APP.
  • Redes neurais comprometidas: em pessoas com Alzheimer, há perda de conectividade entre redes cerebrais de diferentes frequências, especialmente nas regiões de integração (network hubs), o que se relaciona a déficits de memória e processamento cognitivo.
  • Fatores de risco modificáveis no Brasil: um estudo recente estimou que até 32% dos casos de demência no país poderiam estar associados a fatores modificáveis como baixo nível educacional, controle inadequado da hipertensão, obesidade, sedentarismo e tabagismo.
  • Cuidados e suporte psicoeducacional: intervenções de educação e suporte para cuidadores (ex: grupo psicoeducacional de 15 sessões) mostraram melhora de bem-estar subjetivo entre familiares que cuidam de pessoas com Alzheimer.

Essas evidências mostram que Alzheimer não é somente “uma doença de idosos” — envolve redes cerebrais complexas, riscos combinados e impactos sociais amplos.

Como abordar Alzheimer com crianças: dicas e estratégias

Para que um projeto literário ou educativo (como Barbiô) conecte ciência, emoção e compreensão, algumas estratégias são úteis:

EstratégiaObjetivoExemplo prático
Narrativa simbólicaFacilitar a compreensão sem usar termos clínicos complexoscomparações com memórias de viagem, nuvens, caminhos que escapam
Espaço para perguntasValidar dúvidas e medos“Por que o vovô esqueceu onde colocou os óculos?”
Atividades artísticasExpressar emoções através da artedesenhar memórias favoritas, colagens com fotos antigas
Leitura compartilhadaEstimular diálogo entre criança e adultoler juntos e pausar para comentar: “Você já sentiu isso?”
Inserir ciência em linguagem simplesMostrar que a memória é um “tecido que se desfaz”explicar que “as células do cérebro às vezes se perdem ou ficam cansadas”
Fortalecer a presença afetivaMostrar que presença, carinho e rotina importam mais que a lembrança perfeitavisita, músicas, fotos, lembranças compartilhadas